Todos os que procuraram novidades no meu
blog deram com a cara na porta. O diário das nossas férias ficou sob a responsabilidade da
Lu em sua qualificada página. Ficar (apenas) 15 dias fora dá uma idéia de que a nossa vida poderia ser mais tranqüila e aproveitada de uma forma bem mais agradável.
Tenho assistido a série
24 Horas, que tá passando (com atraso, é óbvio), na TV aberta. Acho bem legal quando o cronômetro aparece e situa a história para o telespectador. Pois um reflexo disso é que, sem querer, estou olhando meu relógio de forma mais detalhada. Na segunda-feira, quando muita gente que eu conheço estava aproveitando o feriado, lá estava eu em mais um capítulo da série Coisas que você não conhecia em Porto Alegre e agora conhece. Dessa vez, encarei a famosa procissão de Nossa Senhora dos Navegantes. Se fosse num episódio de 24 horas, seria mais ou menos assim:
5h35 - toca o despertador, mas eu ainda me permito mais alguns momentos de sono
5h44 - o desgraçado apita de novo, mas dessa vez tenho de levantar. Sigo tateando até o banheiro (para não acordar a Lu) e coloco a roupa que (sabiamente) havia deixado pronta. Não há tempo nem para um café. Caneta, carteira, bloco de anotações, celular e óculos de sol estão à mão
6h07 - desço as escadas para esperar pelo motorista que irá me buscar. Ele tinha programado chegar às 6h15, mas está adiantado em cinco minutos. O fotógrafo que vai ser meu parceiro nessa empreitada me cumprimenta com a cara de quem dormiu dezenas de horas seguidas
6h52 - depois de buscarmos outras duas pessoas (uma delas, a autoridade que me obrigou a participar disso), chegamos ao Centro, onde uma pequena multidão se aglomera em frente à Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Ali vai ser rezada uma missa que dá início aos festejos. Lá dentro, lotação esgotada e uma ventilação precária. Acompanho tudo ao lado do púlpito, enquanto outras autoridades vão se juntando aos fiéis
8h01 - após a cerimônia religiosa, é hora de começar a procissão. Procuro ser rápido para sair da igreja, pois, do contrário, perderia o contato com o pelotão da frente. O fotógrafo (que estava tirando fotos num andar acima), tenta desesperadamente nos acompanhar, mas é contido pelos fiéis e fica para trás.
8h03 - do lado de fora da igreja, a multidão foi multiplicada por cinco. Pego o vácuo e fico logo atrás da linha que tem o governador, o presidente da Assembléia e o prefeito e demais autoridades. A Brigada Militar faz um cordão de isolamento para que a gente possa passar. As calçadas estão tomadas de gente. Os repórteres começam as entrevistas e os fotógrafos começam a procissão andando de costas.
8h16 - chegamos à Avenida Mauá, onde conseguimos um pouco mais de liberdade. O cortejo fica mais espaçado e a imprensa se coloca mais à frente. Nesse momento, chega o ministro Olívio Dutra, que passa a ocupar a primeira fila. Alguns deputados e vereadores ficam na segunda linha.
8h25 - entramos na Avenida Castelo Branco e mais brigadianos aparecem. Ouço repórteres dizendo que ainda tem gente se juntando à caminhada. Desse horário até às 10h32, percorremos os poucos quilômetros que separam as duas igrejas. Nesse tempo, o sol não apareceu, mas o calor era implacável. O fotógrafo, que pegou um atalho e conseguiu nos alcançar, me pede para segurar sua mochila. Sem brincadeira, pesava muito. Naquela hora, tive a certeza de que nunca seria fotógrafo. Tudo era muito tranqüilo e nenhuma autoridade arredou pé (estamos em ano eleitoral, lembram?). Uma mulher nos olha e pergunta de qual veículo somos. Após a resposta, ela começa a gritar e reclamar para o governador que sua família está na prisão, que ela está sem dinheiro e que nenhum brigadiano vai bater nela porque a imprensa está por perto. Ela encheu um pouco o saco mas depois acalmou-se. Nem dá para ver as últimas pessoas da procissão.
10h32 - chegamos na Ponte do Guaíba. A multidão é imensa e demonstra que chegou bem cedo, tal a expressão de calor e ansiedade. A organização do evento faz com que os jornalistas se aproximem do palco montado para outra missa e depois deixa passar as autoridades, que acenam como se estivessem em campanha. Um pequeno palanque irá abriga-los do calor durante as mensagens do arcebispo da Capital. Enquanto isso, o povo se espreme na frente do cordão de isolamento.
10h43 - a missa começa e a gente resolve dar um tempo para beber água e provar um pastel da paróquia. O fotógrafo gosta tanto que pede logo três.
11h27 - uma grande queima de fogos marca a chegada da imagem da santa. O espaço entre o povo e o pequeno quiosque onde ela é colocada fica mais reduzido. Todos querem depositar flores, mas apenas o governador pode fazer isso tranqüilamente. A cada cinco minutos, pessoas que passaram mal são levadas pelos brigadianos. O calor aumenta.Crianças vestidas de anjo são mais fotografadas que celebridades.
12h05 - a missa está acabando e as nossas energias também. Entrevistei tantas autoridades quantas possível e agradeci por não estar de terno e gravata como outros colegas. Todos aqueles que estavam na sombra destacam a demonstração de fé das pessoas.
12h15 - estamos indo embora. O motorista aparece de uma rua lateral e nos recolhe. A população está liberada para chegar perto da santa e fazer seus pedidos e promessas. Os quiosques começam a vender comidas e lembranças de todo o tipo.
12h18 - o ar-condicionado do carro começa a fazer efeito. Só penso em uma banheira com água gelada e umas doze horas de sono. Ainda precisávamos ir à sede para fazer a matéria e mandar para toda a imprensa. Mas, como toda a imprensa estava lá, nosso trabalho fica prejudicado.
Bem, depois de tudo isso ainda fiquei com uma violenta dor de estômago, que só melhorou no início do outro dia. Teria sido o pastel da paróquia ou as horas caminhando no asfalto e sob um mormaço daqueles? Acho que, desta vez, não sobrou nenhum pecado para contar a história. De uma coisa tive a certeza: agora mereço umas férias.